ÚLCERA DUODENAL
Em relação a essa lesão estão bem definidos os seguintes aspectos:
1. A secreção basal é maior do que em normais;
2. A resposta secretora à alimentação é mais intensa e mais prolongada;
Inicialmente, gostaria de falar sobre a tensão emocional e secreção gástrica. As tensões emocionais, através da correlação córtex cerebral – hipotálamo – vísceras, estimulam a secreção gástrica por duas vias, uma vagal, partindo do hipotálamo anterior e outra humoral, nascendo do hipotálamo posterior. As teorias psicológicas da úlcera (inclusive Tese de pós-doutorado de minha Irmã que é Psicanalista) descrevem que a emoção não chega a provocar úlcera em todos os indivíduos, a maioria exteriorizando seus conflitos através de uma síndrome gástrica funcional, por vezes pseudo-ulcerosa. Essa comprovação leva a crer que há necessidade de uma personalidade especial, moldada nas primeiras etapas do desenvolvimento instintivo e psíquico do indivíduo. Desde 1934, Alexander falava de uma tendência à passividade, que a ciência atual concorda plenamente, em uma regressão oral-digestiva, o que faz procurar o carinho da mãe (desejo de ser alimentado) ou um substituto desse carinho, o que também é reprimido. O desejo inconsciente de alimento provoca secreção gástrica como em toda pessoa que tem vontade de comer, como ocorre na fase psíquica da digestão. Como esse desejo é contínuo (o mundo aflitivo, o receio de tudo, a certeza da proteção materna, etc.) a secreção gástrica também é contínua e o suco gástrico não neutralizado pela ingestão de alimentos acaba provocando a úlcera. Na interpretação de Szasz, o choro e a raiva, na primeira infância, são as primeiras manifestações de desagrado. Como são acalmados pelo alimento cria-se uma equiparação psicológica entre eles. Se ocorre uma regressão oral-digestiva, a equiparação infantil entre raiva e o alimento provoca secreção gástrica diante de qualquer situação de insatisfação. As agressões ambientais na adultez reativam no seu inconsciente psíquico as frustrações sofridas na infância e essas situações refletem-se no estômago, estimulando a secreção cloridro-péptica. A úlcera de stress, diferente das úlceras que evoluem paulatinamente, é uma lesão aguda do estômago ou do duodeno, freqüentemente hemorrágica com vômitos de sangue vivo (hematêmese). Em geral, quando ocorrem, ocorrem em intervenções cirúrgicas, emoções violentas (perdas agudas), queimaduras extensas, dor intensa, traumatismos graves e infecções. Uma Síndrome chamada de Zollinger-Ellison cursa com tumor das células não beta das ilhotas de Langerhans (pâncreas) que secretam conseqüentemente quantidades excessivas de gastrina, responsável pela hipersecreção e hipercloridria (HCl) observada nesses casos. Há uma freqüência elevada de úlceras em pacientes com hiperparatireoidismo. Admite-se que a hipercalcemia (aumento do íon Ca++ na corrente sanguínea) estimula a secreção gástrica excitando diretamente as células principais (basófilas), as células parietais (acidófilas) e atua sobre as terminações vagais. Há que ficar atento em mulheres com osteoporose que fazem uso excessivo de cálcio. Hoje existem medicamentos, como o risedronato de sódio, que diminui a ação do osteoclasto (macrófago) e estimula a osteogênese intramembranosa (a partir diretamente do tecido conjuntivo) e endocondral (a partir de cartilagem), e tem um efeito superior na terapêutica da osteoporose.
Quais os sintomas da úlcera?
A dor é o sintoma básico. Os mecanismos principais sugeridos é o contato do conteúdo gástrico ácido com a úlcera, contrações gástricas da fome e espasmo piloroduodenal. Lembrando que a úlcera é uma ferida.
Quais as características fundamentais desta dor?
1. A ritmicidade, ou seja, a ocorrência regular da dor, relacionada com o ciclo alimentar. É clássico na úlcera gástrica um ritmo de 5 tempos: alimento – alívio – dor – alimento – alívio, que distingue da gastrite que a alimentação agrava a dor;
2. Periodicidade ou seja recorrências com desaparecimentos por semanas, meses, anos;
3. A localização, na linha xifumbilical, em área bem circunscrita. Na gástrica em geral na parte superior um pouco à esquerda e na duodenal um pouco acima e para a direita da cicatriz umbilical;
4. Em geral sem irradiação;
5. Sensação de queimor, de fome desagradável, de dor surda, de roedura, de gastura.
Além, pode ocorrer náuseas e vômitos, empachamento e eructação ( vontade permanente de arrotar).
O exame físico dá algum esclarecimento para o médico?
Na úlcera péptica não complicada é habitualmente negativo. Mas, na palpação da região epigástrica há sempre um incômodo.
E quais exames complementares darão o diagnóstico definitivo: É úlcera.
1. Raios X – o nicho é o sinal indiscutível. O que é um nicho? Uma mancha suspensa? (é possível se pesquisar na internet?). A visão desta imagem pode ser dificultada pela presença de muco, coágulo, alimento, tecido necrosado, úlcera muito rasa (interessada à mucosa superficial);
2. Gastroduodenoscopia. Hoje o RX é um pouco duvidoso, exceto na maioria das emergências hospitalares em que a endoscopia é freqüentemente agendada só em ambulatórios. A região da cárdia é difícil examinar; a pequena curvatura vertical e ângulo gástrico sem dificuldades; faces, sem dificuldade a observação da face anterior e a posterior é mais trabalhosa; no antro pode passar despercebida;
3. Biópsia da úlcera em diferentes locais da lesão inclusive como diagnóstico diferencial com tumor.
Tratamento Clínico
As medidas terapêuticas (=tratamento) habituais visam apenas atenuar o fator agressivo, diminuindo e neutralizando a secreção gástrica, o que se pretende conseguir através da DIETA, do uso de anti-ácidos, do emprego de anti-colinérgicos, de outros medicamentos mais modernos, e da assistência psicológica objetivando eliminar ou reduzir as tensões emocionais, combinada ou não com o uso de tranqüilizantes. O papel humano do médico, neste momento, é fundamental. A dieta deve obedecer aos seguintes princípios:
1. Reduzir a acidez gástrica. As refeições devem ser repetidas pelo menos 6 refeições, uma a cada 3 horas. Leite e derivados são os melhores alimentos;
2. Não estimular a secreção gástrica. As refeições devem ser pequenas pois a distensão do antro estimula a secreção de gastrina. Embora todos os alimentos sejam secretagogos, as gorduras são os que menos excitam a secreção mas têm outras conseqüências maléficas em outros órgãos como coração, vasos e fígado;
3. Excluir os irritantes gástricos. O café e o chá são excitantes da secreção gástrica. A cafeína, em grandes doses, provoca erosão da mucosa. O álcool também estimula a secreção gástrica. A pimenta, a mostarda, o vinagre, as frutas ácidas, as frituras e as conservas devem ser evitados.
Os antiácidos são empregados com duas finalidades:
1. Reduzir a acidez gástrica e acalmar a dor;
2. Manter o pH acima de 4,5 de modo a inativar a pepsina. Se tiverem interesse posso e devo fornecer a tabela de composição dos antiácidos, como o omeprazol e a ranitidina.
Os efeitos colaterais (=indesejáveis) principais e complicações dos antiácidos são:
1. Modificações do hábito intestinal. O carbonato de cálcio e o hidróxido de alumínio são constipantes (diminuição do peristaltismo intestinal), enquanto o óxido e o magnésio são laxantes;
2. Modificações do equilíbrio ácido-básico. Podem produzir alcalose, sobretudo em idosos, com astenia (=fraqueza), cefaléia, anorexia (=falta de apetite) e vômitos;
3. Retardamento do esvaziamento gástrico. Seria um grave problema ou não?
4. Depleção (=diminuição) de fósforo. Levando dores ósseas, anorexia e astenia.
Definitivamente, nas doses geralmente usadas de antiácidos, eles apenas acalmam a dor, mas não aceleram a cura da úlcera. Considerando as vantagens e desvantagens dos vários antiácidos, o mais indicado seria o carbonato de cálcio associado com o óxido de magnésio, para anular seu efeito constipante. Os anticolinérgicos deprimem a motilidade e a secreção gástrica e produzem efeitos colaterais como boca seca, retenção urinária, taquicardia, etc. Jamais utilizá-los em esofagite de refluxo. Outras tantas drogas alopáticas podem ser utilizadas de acordo com a situação clínica:
1. Omeprazol
1. Cloridrato de ranitidina;
2. Cimetidina;
3. Oxitazaína. Diminui a produção de gastrina anestesiando os receptores da mucosa;
4. Proglumid. Estrutura molecular semelhante à gastrina exercendo uma ação competitiva bloqueadora;
5. Farnessilacetato de geranilo. Estruturalmente semelhante à vitamina K (que aumenta a coagulação), regenera a mucosa;
6. Metoclopramida (plasil). Aumenta a freqüência e a intensidade das contrações gástricas, acelerando assim o seu esvaziamento;
7. Carbenoxolona. Extraído da raiz de uma leguminosa aumenta a produção de muco na mucosa;
8. Secretina. Diminui a secreção gástrica e a longo prazo pode ocasionar hipoplasia das células parietais;
9. Betametasona (corticóide). Você receitaria? Por sua ação anti-inflamatória, remove o excesso de fibrose (tecido cicatricial) em torno da úlcera. Mas, o que se quer não é justo a cicatrização?
Quais os critérios de cura?
O clínico é muito falho. O radiológico, o nicho pode escapar ao exame. O endoscópico para a úlcera gástrica é muito preciso. Porém quando o bulbo duodenal está muito deformado, por cicatrização, nem sempre se consegue fazer uma duodenoscopia.
Quando tratar cirurgicamente?
O tratamento cirúrgico está indicado:
1. Nas complicações da doença: perfuração aguda ou crônica (rompendo até a serosa = TCF), estenose (diminuição da luz da cavidade oca) cicatricial, hemorragia maciça incontrolável (lembrar da LP e submucosa), suspeita de malignidade (como suspeitar que a úlcera se transformou em um tumor? Como confirmar? Biópsia? Histopatologia?);
2. Sintomas agudos persistentes que não cedem á medicação;
3. Por motivos sociais. Que motivos seriam esses?
Para a úlcera gástrica:
1. Gastrectomia (retirada de parte do estômago) que não deve ir além de 70% do estômago;
2. Vagotomia seletiva (vale a pena retirar a ação vagal = parassimpática?)
Para a úlcera duodenal:
1. Gastrectomia sub-total (retirada do antro com redução das células parietais);
2. Antrectomia e vagotomia;
3. Vagotomia seletiva.
Brevemente, trataremos das complicações da úlcera péptica, como hemorragias, perfuração (distinguindo aguda de crônica), síndrome pilórica, degeneração maligna (câncer gástrico). Será que todo câncer gástrico evolui a partir de uma úlcera?
Hélia Cannizzaro