Irei ler brevemente e comentar as postagens anteriores.
Insuficiência Renal Aguda -
A insuficiência renal aguda (IRA) é uma emergência médica. Pode ser por causa renal propriamente dita ou pré-renal (hipovolemia, por exemplo por perda importante de sangue) ou pós-renal (como nas uropatias obstrutivas). O quadro manifesta-se por oligúria (diminuição do volume urinário em torno de 400ml/24horas. Normal: 1300 a 1500ml/dia) ou anúria (100ml/24horas) de instalação rápida. Existe na literatura, também, casos sem oligúria ou anúria. O nome “uremia” é um nome genérico que exprime alterações orgânicas globais devido a IRA. Entre esses: anorexia (falta de apetite), náuseas e vômitos, tendência a sangramento, anemia, tremores musculares, tonalidade castanho-amarelada da pele, prurido, etc. Causas freqüentes pré-renal (ou funcional): hemorragias digestivas, politraumatismos, acidentes obstétricos, aborto séptico, CID (coagulação intravascular disseminada), septicemia (infecção generalizada), desidratação, acidentes em transfusões, reações de sensibilidade, fenômenos alérgicos, picada de animais peçonhentos, etc. No adulto de porte médio, o fluxo plasmático renal (FPR) ultrapassa 600ml/minuto, correspondendo a ¼ do débito cardíaco. A flexibilidade dos mecanismos renais aceita consideráveis oscilações sem que a filtração e os sistemas de transporte tubulares se alterem significativamente. Desse modo, quedas superiores a 25% ou 50% são praticamente isentas de dano à regulação homeostática. A oligúria sobrevém quando se reduz o fluxo a menos de 1/3 do normal. Porém na IRC (crônica) se mantém um volume urinário normal, apesar do FPR se achar extremamente diminuído. O que distingue as 2 condições é que na IRA se verifica uma derivação da circulação sanguínea da zona cortical (relacionada com a filtração) em direção à justamedular e medular, caracterizando a chamada “isquemia cortical preferencial”.
Na etiologia, um fato desperta a atenção à primeira vista: a isquemia e vasoconstricção. Uma das teorias mais privilegiadas distingue a possibilidade da isquemia (falta de sangue) não se prender obrigatoriamente a déficit global de fluxo sanguíneo, mas a “transtorno circulatório regional” ou seja, o desvio da maior parte do sangue em direção às regiões justamedular e medular, motivado por “vasoconstricção cortical prolongada”. O edema intersticial condiciona elevada pressão ao nível do interstício renal com redução na filtração glomerular, queda do fluxo urinário e oligúria. Desta feita, os rins se tornam vulneráveis à presença de agentes tóxicos – glomérulos, túbulos, vasos e interstício.
Do diagnóstico, a diurese (volume de urina/24horas) facilita a propedêutica. Há que definir ser pré-renal ou renal ou pós-renal. Na pré-renal há oligúria e aumento da concentração urinária (solutos = aumento da osmolalidade e densidades urinárias). Aumento de ADH no sangue, níveis elevados de aldosterona e aumento na reabsorção tubular de sódio. Já se disse que em episódios mais intensos e prolongados de hipotensão arterial há uma re-distribuição intra-renal do fluxo sanguíneo, dominada por grande redução da fração destinada ao córtex (glomérulos, TCP e TCD). Diminuição da excreção de uréia e creatinina com aumento das mesmas no sangue. Reduzida concentração de sódio urinário. Inversamente, a verificação de elevada concentração desse cátion (70 a 120mEq/L) nos inclina a admitir uma lesão orgânica (Renal). E claro, tudo aliado à anamnese em busca da causa pré-renal. Se a oligúria persiste após reposição do volume sanguíneo e da normalização da pressão arterial, pode-se recorrer (o que faz em hospitais de emergência) à infusão venosa de manitol. A dose preconizada é 100ml da solução a 20% deste poliálcool infundidos em 10 minutos. O manitol tem sido inclusive advogado como preventivo de IRA em pacientes cirúrgicos de alto risco, uma vez que é livremente filtrado, ganhando a luz tubular onde exerce ação osmótica. Como não sofre reabsorção, retém líquidos no interior dos túbulos, aumentando a excreção de água e solutos (diurese osmótica). Se o paciente não responde ao teste (Renal=orgânica? Ou Pós-Renal=obstrutiva?), interrompe-se a infusão, pois o acúmulo de manitol induz uma desidratação intracelular, acompanhada de expansão do compartimento extracelular, acarretando severa hiponatremia, acidose e risco de edema pulmonar. Utiliza-se também diuréticos, com controvérsias na literatura médica, entre adeptos e não adeptos.
Insuficiência Renal (=Orgânica). Na insuficiência pré-renal a densidade urinária conserva-se em torno de 1.020. Isso permite diferenciá-la da oliguria “propriamente renal” que resulta em reabsorção tubular deficiente, na chamada isostenúria com densidade fixa em torno de 1.010. Outra maneira de avaliar a capacidade de reabsorção tubular consiste na medida da osmolalidade urinária. Tem as vantagens de não sofrer interferência de solutos urinários (glicose, uréia, etc.), exigindo pequenos volumes urinários para sua obtenção (2 a 3ml). Apurando-se simultaneamente a osmolalidade plasmática forma-se um índice “U/P osmolalidade” de importância diagnóstica – maior que 1 na insuficiência Pré-Renal e menor que 1 na insuficiência orgânica (Renal). Na renal, a grande elevação de uréia, no sangue, é o sinal de alarme. A creatinina comporta-se de modo idêntico. As lesões do epitélio tubular (cúbico simples) deterioram os mecanismos responsáveis pela conservação do sódio. Ocorre, portanto, uma natriurese excessiva (eliminação de sódio na urina) que pode chegar a 70mEq/L. A determinação de beta-glicuronidase é útil na identificação da necrose do epitélio tubular. Esta enzima é liberada predominantemente ao nível dos túbulos lesados. Na renal há uma riqueza de sedimento urinário (o que deveria ter sido absorvido), como cilindros. A presença de cilindros hemáticos fala a favor de GNDA (glomerulonefrite difusa aguda). O teste do manitol é negativo, e não há que insistir. Precoce falar, mas faz-se uso também de radiografia simples do abdômen (singela de abdômen), urografia excretora, angiografia renal, etc. A biópsia renal, trata-se de um recurso seguro, dotado de ampla perspectiva diagnóstica, especialmente em casos de lesão renal inacessível aos meios laboratoriais e radiológicos. O exame histopatológico (do material obtido após a biópsia) distingue entre nefropatias agudas e crônicas, necrose cortical renal bilateral, GNDA, glomerulopatia do lúpus eritematoso sistêmico (LES), nefrites intersticiais, vasculites difusas, etc. Graças à biópsia foi possível demonstrar também a precariedade dos critérios adotados por alguns profissionais em termos de classificação da IRA: em certos casos clinicamente “rotulados” como do tipo orgânico (RENAL), o exame histopatológico veio demonstrar a ausência de lesão estrutural nos rins.
Insuficiência Pós-Renal. A anúria completa (ausência de urina) constitui, talvez, o sinal que mais comumente induz a pensar em obstrução urinária, embora ela também ocorra na necrose tubular (dos túbulos), na necrose cortical bilateral (do córtex renal) e em casos de glomerulonefrite aguda. É necessário excluir o diagnóstico de ruptura da bexiga com derivação da urina para a cavidade peritoneal. Pode ser realizado para pesquisa da obstrução uma cistoscopia, pielograma ascendente, singela de abdômen (RX), urografia excretora, etc..
Do tratamento (visão preliminar). No primeiro contato com o paciente oligúrico, a monitoração da pressão venosa central (PVC) oferece boa perspectiva, para precoce reconhecimento dos distúrbios hemodinâmicos. Níveis de PVC muito baixo, inferiores a 2cm de soro, traduzem inadequado enchimento do átrio direito; por outro lado, a elevação marcada sugere falência miocárdica. Com referência à PA (pressão arterial) admite-se que níveis inferiores a 60 ou 70mmHg se acompanham de oligúria. Uma das justificativas para semelhante paradoxo deve-se ao fato de que o principal mecanismo desencadeante de IRA é a vasoconstricção renal cortical e não a redução dos níveis pressóricos. PVC baixa – hidratar para ter resposta diurética; PVC normal – Manitol (se resposta – manter manitol e repor fluidos e eletrólitos; sem resposta – diurético); PVC elevada (Diuréticos). De forma aqui bem simplista.
A evolução clínica da IRA orgânica (verdadeiramente Renal) compreende 3 etapas:
1. Oligúria – Dura em média 7 a 12 dias e onde a mortalidade atinge maiores proporções:
2. Fase diurética inicial ou poliúrica – Em torno de 400ml/dia. Normalmente, relaciona-se com a hidratação precedente. Nesta fase os sintomas urêmicos podem estar inclusive agravados. Com uso de diuréticos há perdas inconvenientes de líquido e eletrólitos como hiponatremia (sódio), hipopotassemia (potássio), hipocalcemia (cálcio).
3. Fase diurética tardia ou de recuperação. Normalização com 2 a 3 semanas, se houver sobrevivência. Os sintomas urêmicos passam a declinar, mas só depois de 2 a 3 meses o paciente estará em condições de assumir suas atividades normais