Sangue oculto nas fezes (A Lógica)

Turma 135
Eu falei, em sala de aula, apesar de não ser o Módulo II, sobre a ulceração do estômago com exposição
do tecido conjuntivo. O estômago tem um epitélio cilíndrico simples (simples, para secretar) - que é a mucosa
ao lado do tecido conjuntivo (TC) e um músculo liso, em seguida uma submucosa que também é TC,
em seguida uma muscular e, finalmente, uma serosa, que também é tecido conjuntivo.
Um médico atento, deve pedir a pesquisa de sangue oculto nas fezes (aquele que não se vê) sempre
nas queixas clínicas de estômago de um paciente.
Como vimos, a úlcera péptica vai progressivamente “corroendo” as túnicas, da cavidade oca para o interior em destino à túnica serosa. Ao atingir o tecido conjuntivo frouxo da lâmina própria (LP) não necessariamente há sangue visível. As hematêmeses (vômitos sanguinolentos) e melena (sangue escuro nas fezes) ocorrem mais freqüentemente após atingir a submucosa. Além da endoscopia esclarecedora, é possível utilizar na patologia clínica a pesquisa de sangue oculto das fezes (ou seja, sangue não visualizado a olho nu, ou olho desarmado). A pesquisa de sangue oculto nas fezes deveria ser prática profilática pela Medicina em todos os indivíduos que apresentam alguma queixa digestiva, mesmo que leve. Um dos kits disponíveis no laboratório é o Hemoccult que utiliza do guáiaco que é capaz de detectar 20ml/dia de sangue. A quantidade “normal” de sangue perdida diariamente nas fezes é menor que 2ml/dia ou 2mgHb/g de fezes. O HemoQuant utiliza fluorescência para detecção de porfirinas fecais e faz falso-positivo com carnes vermelhas e aspirina; e o HemeSelect que é um teste imunoquímico que detecta especificamente a presença de hemoglobina (Hb) humana. A intensa neovascularização dos tumores, como os digestivos, também pode ser detectados seus sangramentos iniciais. Os sangramentos profusos a olho vivo dispensam a pesquisa de sangue oculto nas fezes, é óbvio, exceto após tratamento clínico e cirúrgico que exigem acompanhamento.
Hélia Cannizzaro

Professora, um acometimento duodenal gera um mesmo quadro sintomatológico? Outra coisa, esse "sangue oculto nas fezes" é evidenciado apenas quando essas estão escuras(Melena)? Para se observar sangue vermelho nas fezes, quais seriam os possiveis locais de lesão?

Doenças FUNCIONAIS, pelo que li, é um conceito cada vez mais utilizado na Gastroenterologia, são doenças de natureza orgânica, ou seja, as quais não são diretamente provocadas por patologias estabelecidas, a exemplo da SII (Síndrome do Intestino Irritável) e da Dispepsia Funcional, esta última caracterizada por sensação de desconforto abdominal, empachamento e distensão abdominal, e cuja abordagem correta de tratamento ainda não foi esclarecida.

Saulo

Saulo

Pois é Saulo, tava lendo e percebi isso agora...
E quanto a uma lesão duodenal, ocorre também Melena, mas não sei se há algum sintoma específico.
A respeito dessas lesões no Trato Digestivo baixo, com evidencia de sangue vivo e brilhante, é denominado Hematoquesia. Brigadão!
Daniel Pontes

Saulo,
Diverticulose(relativamente benigno), câncer colo-retal(muitas vezes fatal) e colite ulcerativa são causas de hematoquesia! Só pra completar...

Daniel Pontes

Valeu Daniel, tu é fera. Informações muito boas!

Pesquisei sobre os métodos utilizados para detectar o sangue oculto nas fezes e encontrei que o método do guáiaco ( utilizado pelo kit Hemoccult) e o imunoquímico (utilizado pelo HemeSelect) são os mais comuns. De acordo com o que vi, esse o do guáiaco requer uma dieta especial por 72 horas antes da coleta da amostra. O paciente não deve ingerir carne vermelha, rabanete, nabo, brócolis, melão, espinafre, banana, dentre outros. Ingestão de altas doses de vitamina C também poderiam levar a um falso-positivo. No caso do imunoquímico, não haveria restrição da dieta, o que o torna mais facilmente aceito pelos pacientes, mas esse teste não é sensível a hemorragias do trato gastro intestinal superior. O HemoQuant, como o próprio texto acima cita, faz falso-positivo com carnes vermelhas e aspirina. Dessa forma, qual seria o mais confiável dentre os 3 kits utilizados? Seria o HemeSelect, já que ele é sensível apenas a hemoglobina humana e não possui restrição de dieta para o paciente antes da coleta da amostra?
Priscila Teixeira Aroucha

Priscila,
Não sei responder tua pergunta, mas aproveito pra perguntar outra coisa.
Você disse que o teste imunoquimico reflete o sangue oculto nas fezes causados por hemorragias no trato gastrointestinal inferior. Mas uma lesão nessa região nao causaria o aparecimento de sangue vermelho vivo(hematoquesia) ao inves da melena?

Não tenho certeza, mas o que eu achei foi que o trato gastrintestinal se divide assim:
trato GI superior: O trato GI superior inclui o esôfago, o estômago e a primeira porção do intestino delgado.
trato GI inferior: O trato GI inferior inclui grande parte do intestino delgado, o intestino grosso ou intestinos, o reto e o ânus.
Criei uma hipótese... Já que o trato GI inferior ainda pega uma parte do intestino delgado, ainda haveria possibilidade das enzimas "esconderem esse sangue vermelho vivo", digerindo-as. Outra ideia seria que esse sangramento não seja tão grande quanto tu tá imaginando.. se for algo discreto, não seria percebido a olho nu, ou seja, precisaria do teste de laboratório. Foi só uma ideia.. O que tu achas?
Priscila Teixeira Aroucha

Gostei muito Priscila, penso que realmente seja isso!

Correção: digerindo-o***

Ainda falando da relação de câncer do intestino e sangue oculto nas fezes , eu li que está sendo desenvolvida uma pesquisa na faculdade de medicina da USP sobre os diversos tipos de câncer de intestino e que , no início , a doença é assintomática , portanto o único método de diagnosticar a doença é através do exame , o que revela o quão importante ele é.

O intuito principal seria investigar um possível câncer de cólon, como Saulo falou. Entretanto, li que é normal, em idosos, sangramentos pequenos do TGI, que são suficientes para provocar anemia por carência de ferro, porém não detectados nas fezes à olho nu. Investigar o sangue oculto é importante nos pacientes com esse perfil.

Daniel Pontes
1. O quadro sintomatológico apresenta certa semelhança entre úlcera gástrica e duodenal, apesar das úlceras gástricas
serem mais graves. Mas, o que interessa no momento é o sangue oculto nas fezes. Ambos, apresentam abundância de
vasos abaixo do epitélio cilíndrico simples (ou seja, tecido conjuntivo frouxo = TCF), na submucosa (TCdenso = TCD) e na
serosa, última camada, TCF. Que veremos em maior detalhe no Módulo II.
Quando o cirurgião abre o abdome para correção de uma úlcera perfurada, além da lavagem da cavidade abdominal, ele
inicia a sutura pela serosa até chegar à mucosa (com epitélio cilíndrico simples).
2. Se há melena o sangue já é visível aos nossos olhos, não há necessidade de pesquisa de sangue oculto nas fezes.
3. As lesões digestivo alto cursam com melena e sangramento vivo = digestivo baixo.
Hélia Cannizzaro

Daniel Pontes escreveu:

Professora, um acometimento duodenal gera um mesmo quadro sintomatológico? Outra coisa, esse "sangue oculto nas fezes" é evidenciado apenas quando essas estão escuras(Melena)? Para se observar sangue vermelho nas fezes, quais seriam os possiveis locais de lesão?

Saulo Xavier
Nada a declarar. Ótimo texto.
Hélia Cannizzaro

Saulo.Xavier escreveu:

Tópico muito interessante, Professora Hélia. É uma pena que uma abordagem que deveria ser "padrão" seja por vezes desconsiderada por especialistas.
Pelo que pesquisei, os exames para detecção de Sangue Oculto nas Fezes são muito importantes ao diagnóstico de doenças do trato digestivo, principalmente do Câncer de Intestino Grosso (Cólon), o qual, caso detectado a tempo, pode ser contornado sem maiores problemas.
Vi também que o exame para detecção de sangue oculto nas fezes pode auxiliar na exclusão de outras hipóteses de diagnóstico que por vezes mascaram o diagnóstico das Doenças Funcionais, visto que não possuem testes específicos para sua detecção. O exame, por exemplo, diante dos sintomas, e associado a uma endoscopia posterior (caso seja positiva a presença do sangue), poderia auxiliar na distinção entre a Dispepsia Funcional e uma Dispepsia Ulcerosa, dentre outras enfermidades.

Doenças FUNCIONAIS, pelo que li, é um conceito cada vez mais utilizado na Gastroenterologia, são doenças de natureza orgânica, ou seja, as quais não são diretamente provocadas por patologias estabelecidas, a exemplo da SII (Síndrome do Intestino Irritável) e da Dispepsia Funcional, esta última caracterizada por sensação de desconforto abdominal, empachamento e distensão abdominal, e cuja abordagem correta de tratamento ainda não foi esclarecida.

Saulo

Saulo
É um sinal patognomônico (=próprio), por exemplo, de tumor de reto, sangue vivo nas fezes.
Isto é fundamental. Melena ou enterorragia (vivo)? Me direciona para o local "provável" histopatológico.
Você falou também em hemorroidas. O epitélio aí é plano estratificado não queratinizado e, frequentemente,
em pacientes com constipação crônica, há uma projeção de varizes (do tecido conjuntivo = abaixo do epitélio) para a luz
da cavidade oca e as próprias fezes, concomitante com processo inflamatório, leva ao rompimento
dessas varizes com sangue vivo nas fezes.
Cada vez mais, o homem pós moderno sofre de processo inflamatório dos intestinos. Veremos no Módulo II, mas o que é
doença de Crohn (de forma bem objetiva)?. Qual o papel de uma droga chamada: Duspatalin?.
Hélia Cannizzaro

Saulo.Xavier escreveu:

Daniel, acho que posso ajudar com parte da tua pergunta! Acredito que "vermelho vivo" nas fezes é um indicativo de lesão no Trato Digestivo baixo, ou até na musculatura retal e anal, de modo que não ocorre uma oxidação tão grande do sangue.

Como escrevi no meu post, Câncer de Intestino Grosso em estágio mais avançado, bem como Retocolite Ulcerativa, Doença de Crohn, ou até Hemorróidas, são doenças que creio poderem apresentar como sintomatologia fezes com sangue "vermelho vivo".

Saulo

Daniel
falaremos, sim, brevemente, desses sintomas.
A introdução deste tema, no Módulo II (sangue oculto nas fezes) teve como interesse maior alertar
a todos que abaixo de todos os epitélios há TECIDO CONJUNTIVO (com riqueza de vasos, nervos, fibroblastos, fibras,
células de defesa, etc.) O TC quando exposto, sangra, em diversas patologias, por diversas etiologias (=causas).
Em anamnese, é um SINAL potente que alerta ao Médico a direção correta da Histopatologia. Para um diagnóstico correto e
consequente terapêutica (=tratamento) correta.

Hélia Cannizzaro

Daniel Pontes escreveu:

Pois é Saulo, tava lendo e percebi isso agora...
E quanto a uma lesão duodenal, ocorre também Melena, mas não sei se há algum sintoma específico.
A respeito dessas lesões no Trato Digestivo baixo, com evidencia de sangue vivo e brilhante, é denominado Hematoquesia. Brigadão!
Daniel Pontes

Priscila Teixeira
O Guáiaco ainda é o método mais confiável, apesar de mais antigo e dos inconvenientes de restrição de dieta.
Porque a vitamina C confere falso-positivo?
Hélia Cannizzaro

Priscila Teixeira escreveu:

Pesquisei sobre os métodos utilizados para detectar o sangue oculto nas fezes e encontrei que o método do guáiaco ( utilizado pelo kit Hemoccult) e o imunoquímico (utilizado pelo HemeSelect) são os mais comuns. De acordo com o que vi, esse o do guáiaco requer uma dieta especial por 72 horas antes da coleta da amostra. O paciente não deve ingerir carne vermelha, rabanete, nabo, brócolis, melão, espinafre, banana, dentre outros. Ingestão de altas doses de vitamina C também poderiam levar a um falso-positivo. No caso do imunoquímico, não haveria restrição da dieta, o que o torna mais facilmente aceito pelos pacientes, mas esse teste não é sensível a hemorragias do trato gastro intestinal superior. O HemoQuant, como o próprio texto acima cita, faz falso-positivo com carnes vermelhas e aspirina. Dessa forma, qual seria o mais confiável dentre os 3 kits utilizados? Seria o HemeSelect, já que ele é sensível apenas a hemoglobina humana e não possui restrição de dieta para o paciente antes da coleta da amostra?
Priscila Teixeira Aroucha

Priscila
Uma hipótese que se fez Tese.
Hélia Cannizzaro

Priscila Teixeira escreveu:

Não tenho certeza, mas o que eu achei foi que o trato gastrintestinal se divide assim:
trato GI superior: O trato GI superior inclui o esôfago, o estômago e a primeira porção do intestino delgado.
trato GI inferior: O trato GI inferior inclui grande parte do intestino delgado, o intestino grosso ou intestinos, o reto e o ânus.
Criei uma hipótese... Já que o trato GI inferior ainda pega uma parte do intestino delgado, ainda haveria possibilidade das enzimas "esconderem esse sangue vermelho vivo", digerindo-as. Outra ideia seria que esse sangramento não seja tão grande quanto tu tá imaginando.. se for algo discreto, não seria percebido a olho nu, ou seja, precisaria do teste de laboratório. Foi só uma ideia.. O que tu achas?
Priscila Teixeira Aroucha

Amanda Rodrigues
Envie este link da USP para a Turma 135.
Hélia Cannizzaro

Amanda Mirela Rodrigues escreveu:

Ainda falando da relação de câncer do intestino e sangue oculto nas fezes , eu li que está sendo desenvolvida uma pesquisa na faculdade de medicina da USP sobre os diversos tipos de câncer de intestino e que , no início , a doença é assintomática , portanto o único método de diagnosticar a doença é através do exame , o que revela o quão importante ele é.

Anderson Yudi
Sua abordagem foi fundamental.
Muitos exames onerosos são cobertos por planos de saúde.
O que fazer com a população de baixa de renda?
Hélia Cannizzaro

Anderson Yudi escreveu:

A pesquisa do sangue oculto nas fezes é importante na investigação de doenças gastrointestinais com perdas ocultas sanguíneas,mas particulamente voltada para a detecção do câncer colorretal(CRC).Esse teste é mais utilizado por ser simples e de baixo custo em relação à colonoscopia(complexo,caro e tem risco elevado).Além da prevenção da CRC esse método é útil na investigação da anemia ferropriva em adultos.Outros métodos também são usados para a detecção da CRC,porém menos frequentes: Retossigmoidoscopia,Enema baritado,CT colonografia e teste fecal de DNA (Stool DNA), novo método que se baseia em alterações do DNA das células do intestino (intervalo não definido).
Como a Priscila Teixeira comentou, o método imunoquímico é o mais eficiente,pois não precisa realizar a dieta e além do mais, não ocorre interferência cruzada com hemoglobinas de outros animais.
O esquema da degradação da hemoglobina do porque ela é identificada pelo iFOBT(teste imunoquímico),pois esse método só reage com a globina:
https://2img.net/h/oi60.tinypic.com/2aabytg.jpg[/IMG][/img]

Julio Zoe
Muito bom.
Os capilares do tecido conjuntivo, como tecido nervoso, são capilares contínuos, ou seja, o endotélio e a membrana
basal (MB) são contínuas. Com a evolução da idade essa "amarração" vai progressivamente se perdendo expondo,
consequentemente. o sangue para o interstício (fora do vaso) e, consequentemente, para a cavidade oca.
Hélia Cannizzaro

juliozoe escreveu:

O intuito principal seria investigar um possível câncer de cólon, como Saulo falou. Entretanto, li que é normal, em idosos, sangramentos pequenos do TGI, que são suficientes para provocar anemia por carência de ferro, porém não detectados nas fezes à olho nu. Investigar o sangue oculto é importante nos pacientes com esse perfil.