OBSTRUÇÃO INTESTINAL
É uma das emergências cirúrgicas mais frequentes. As causas são classificadas em extrínsecas; intrínsecas; e funcionais ou clínicas. Extrínsecas, como hérnia encarcerada, diversas neoplasias extra-intestinais, abscesso abdominal, complicação de diálise peritoneal, sequela de trauma abdominal, hematomas, corpo estranho intra-abdominal. Intrínsecas, como invasão tumoral, fecaloma, doença de Crohn, isquemia mesentérica, enterocolite pós-radiação, divertículos, pólipos, fístula intestinal. Funcionais ou clínicas, como peritonite, hipopotasssemia grave, hiponatremia, sepse, hemorragia abdominal, pós- vagotomia, reação à quimioterapia, diabetes mellitus, lesão cerebral ou medular, intoxicações.
Quando suspeitar – A primeira manifestação é a dor abdominal em cólica que piora progressivamente. A cólica intestinal obstrutiva típica ocorre com intervalos de cerca de 2 a 5 minutos na obstrução intestinal mais alta e 10 a 15 minutos nas mais baixas. A localização da dor é geralmente é difusa e imprecisa, mas tende a ser mais epigástrica na obstrução mais alta, periumbilical na obstrução jejunoileal e hipogástrica nas obstruções do íleo terminal ou sigmoide. Nos casos de estrangulamento, a dor é mais aguda, muito intensa e contínua. Com a evolução aparece náusea, vômitos e distensão abdominal. Os vômitos são biliosos (podem ser claros no início) e são mais precoces e frequentes quanto mais alta for a obstrução. A distensão abdominal é mais intensa quanto mais distal for a obstrução. Vômitos não biliosos apontam para obstrução gástrica, pilórica ou duodenal inicial. Vômitos fecaloides e espessos apontam para obstruções mais baixas ou sofrimento intestinal. Outras manifestações importantes são parada de eliminação de gases e fezes e constipação, portanto, aguda. Inicialmente, o paciente se contorce e adota diferentes posições, procurando aliviar a dor a cada crise de cólica. Com a evolução, se ocorre inflamação ou intensa isquemia intestinal, o paciente tende a ficar mais quieto, em “posição de defesa do abdome”, à medida que ocorre irritação peritoneal. No início, o peristaltismo de “luta” pode ser audível, mas esse peristaltismo tende a diminuir ou desaparecer com a progressão e piora do quadro. A palpação abdominal cuidadosa pode demonstrar áreas de maior sensibilidade, distensão, defesa abdominal ou hiperestesia. Com rompimento e evolução para peritonite, o paciente passa a ter febre, prostração, taquicardia, taquipneia e, nos casos mais graves, pode evoluir para choque com extremidades frias, pulsos finos e rápidos, oligúria (diminuição do volume urinário/24 horas), hipotensão, cianose e alteração do estado de consciência.
Principais sinais e sintomas de Obstrução Intestinal – Obstrução alta (vômito precoce e frequente, distensão epigástrica, constipação mais tardia); Obstrução baixa (Vômito tardio, espaçoso e mais volumoso, distensão global e volumosa, constipação mais precoce, vômito fecaloide); Sofrimento intestinal / peritonite (febre, prostração, taquicardia, dor abdominal mais contínua e intensa, defesa abdominal involuntária, hiperestesia, sangramento retal).
Como Confirmar – O diagnóstico é basicamente clínico pelos sinais e sintomas, descritos acima, e é complementado por:
1. Radiografia simples de abdome (singela de abdome) em ortostastismo em AP (Antero-posterior) e perfil – É o primeiro exame a ser realizado. Em pelo menos 60% dos casos de obstrução existem sinais sugestivos, como alças dilatadas (acima de 3cm em adultos), níveis hidroaéreos, alças em arco ou em U invertido. Ar no sistema porta apontam sofrimento ou estrangulamento de alça. Ar “livre na cavidade abdominal”, mais facilmente visível na radiografia de tórax, indica perfuração;
2. Radiografia contrastada – Estudos contrastados devem ser evitados como rotina em quadros obstrutivos, há risco de extravasamento para o peritônio quando da perfuração, com contraste dentro da cavidade abdominal;
3. Tomografia – É mais usada em casos duvidosos, não sendo indicada como rotina. É mais sensível (93%) que os demais exames de Imagem, e mais eficaz em apontar o nível e a causa da obstrução (tumores, abscessos, inflamações, complicações pós-operatórias). Pode demonstrar sinais de estrangulamento, como espessamento e pneumatose da parede e edema mesentérico;
4. Ultra-sonografia – É menos sensível pela interposição de ar das alças distendidas, mas pode ser útil em situações especiais como gravidez, e compressão por massas e abscessos;
5. Endoscopia digestiva – A gastroduodenoscopia pode ser indicada nas obstruções pilóricas ou duodenais e a colonoscopia pode ser indicada quando se suspeita de obstrução colônica, sobretudo em idosos, pelo maior risco de carcinoma do cólon. A colonoscopia pode ser também terapêutica para desfazer uma intussuscepção ou desfazer o vólvulo do sigmoide;
6. Exames hematológicos e bioquímicos – Nas fases iniciais, a contagem leucocitária tende a ser normal. Com o prosseguimento do quadro, a mesma tende a se elevar, observando-se um aumento dos leucócitos neutrófilos polimorfonucleares com contagens situadas entre 15.000 a 25.000/mm3 de sangue que sugere estrangulamento. Contagens superiores a 30.000/mm3 de sangue sugerem trombose mesentérica. As concentrações de Hb (hemoglobina) e Ht (hematócrito) tendem a ser normais, nas fases iniciais, observando-se um aumento das mesmas com o desenvolvimento da desidratação. A densidade urinária específica aumenta à medida que se estabelece um déficit de água e eletrólitos, a menos que exista insuficiência renal preexistente. A presença de detecção de sangue oculto sugere estrangulamento, até mesmo macroscópica quando o segmento estrangulado esteja localizado nas porções mais superiores do jejuno. A presença de níveis reduzidos de sódio, potássio e cloro, assim como também do pH, associada à presença de níveis elevados de CO2, representa indicações úteis acerca da evolução do paciente e auxilia na terapia. Níveis elevados da ureia sugerem a presença de sangue no intestino ou lesão renal concomitante. Os níveis séricos (sangue) de amilase podem estar elevados na ausência de pancreatite. A presença de níveis séricos elevados de LDH (lactato desidrogenase), TGO, creatinoquinase e fósforo pode indicar estrangulamento (infarto) do intestino delgado.
Tratamento – Inicialmente, há uma monitorização clínica hospitalar, dieta suspensa e sonda nasogástrica, acesso venoso seguro e hidratação, medidas gerais (repouso com cabeceira elevada, oxigênio, antieméticos= anti-vômito, analgésicos e antiespasmódicos), antibioticoprofilaxia.
Boletim Operatório da Laparotomia para tratamento de
Obstrução Intestinal –
1. Cuidados Iniciais – Verificar se o paciente foi preparado adequadamente em termos de hidratação (reposição de volume) e correção dos distúrbios hidroeletrolíticos. É fundamental que a descompressão gástrica por sonda nasogástrica seja garantida ANTES da indução anestésica para evitar aspiração acidental (“muito frequente nesta situação”);
2. Anestesia – por indução rápida, com o paciente semi-acordado e com a cabeça mais elevada pelo risco de aspiração;
3. Posição do paciente – Decúbito dorsal;
4. Acesso – Laparotomia mediana ou paramediana nos adultos e crianças maiores. Transversa supra-umbilical em crianças menores. Nos casos de pacientes com cirurgia anterior em que a possibilidade de bridas e aderências é grande, muito cuidado ao abrir o peritônio para evitar lesão de alças aderidas à cicatriz. Abrir a região de mais fácil acesso, geralmente nas extremidades da incisão anterior e antes de estender a abertura da cavidade explorar com o dedo e tesoura a existência de aderências. No caso de alças fortemente aderidas, é melhor ressecar o peritônio aderido do que tentar descolar a alça. Se houver lesão da SEROSA intestinal, reparar com fio absorvível 3-0, 4-0 ou 5-0;
5. Tempos Cirúrgicos Principais –
A. Explorar cuidadosamente a cavidade peritoneal, para o diagnóstico preciso da causa e do local da obstrução intestinal;
B. Exteriorizar as alças distendidas e avaliar sinais de necrose intestinal, gangrena e perfuração intestinal;
C. Nas obstruções com grande distensão da alça, pode-se combinar o posicionamento da sonda nasogástrica de grosso calibre até além do ângulo de Treitz e fazer uma ordenha “retrógrada” do conteúdo do intestino delgado para ser aspirado através da sonda pelo anestesista;
D. Desfazer eventuais bridas e aderências ou volvos com dissecção com tesoura de Metzenbaum;
E. Ressecar alças intestinais consideradas inviáveis e fazer a anastomose término-terminal (unir duas partes sadias);
F. Fazer suturas e anastomoses;
G. Em caso de peritonite pode irrigar e aspirar profusamente a cavidade com solução fisiológica aquecida, e aspirar;
H. Revisar a hemostasia;
I. Fazer a laparorrafia por planos anatômicos.
COMPLICAÇÔES –
1. Cirúrgicas – Isquemia, necrose, perfuração intestinal, peritonite, abscesso de parede, fístula enterocutânea;
2. Clínicas – Choque hipovolêmico ou séptico, distúrbios hidroeletrolíticos e acidobásicos.
3. Necessidade de colonostomia (exposição para o exterior da alça intestinal, por não cicatrização interna).