Refluxo vesicureteral (da bexiga para o ureter)
A junção ureterovesical permite a entrada da urina na bexiga, mas impede que ela regurgite para o ureter, em especial por ocasião da micção. Dessa maneira, o rim fica protegido da elevada pressão exercida pela bexiga e da contaminação da urina vesical infectada. Quando essa válvula se torna inoperante, as possibilidades de desenvolver infecção urinária aumentam significativamente, e, a partir daí, a pielonefrite (infecção de túbulos e alças) é inevitável – aguda ou crônica. Para se compreender as causas do refluxo vesicureteral é necessário conhecer a Anatomia e Histologia da válvula ureterovesical. Essa estrutura, proveniente do ducto de Wolffian, é constituída de duas partes, que são inervadas pelo sistema nervoso simpático:
1. O ureter e o trígono superficial: A musculatura lisa dos cálices renais, do bacinete e do ureter extravesical compõe-se de fibras dispostas em sentido helicoidal. Assim constituídas, elas podem exercer atividade peristáltica. Ao se aproximarem da parede vesical, essas fibras se dispõem num plano longitudinal. O ureter atravessa a parede vesical em direção oblíqua. O trígono passa sobre o colo da bexiga, terminando no homem, no verumontanum e, na mulher, logo acima do orifício uretral externo.
2. Bainha de Waldeyer e trígono profundo: Começando num ponto situado cerca de 2 a 3 cm acima da bexiga, uma camada externa de músculo liso longitudinal circunda o ureter. Suas fibras atravessam a parede vesical, as quais se conectam por algumas fibras do detrusor. O trígono profundo termina no colo vesical.
Componente endodérmico – Os feixes musculares do detrusor da bexiga são entrelaçados e distribuem-se em várias direções. Contudo, à medida que convergem para o orifício interno da bexiga, tendem dispor-se em três camadas:
A. Camada longitudinal interna: Esta camada se continua abaixo da LP e termina logo acima do meato externo, na mulher, e, no homem, na extremidade caudal da próstata;
B. Camada circular média: Esta camada tem sua espessura máxima na parte anterior e termina no colo vesical;
C. Camada longitudinal externa.
O músculo detrusor da bexiga é inervado pelos nervos parassimpáticos.
A principal causa de refluxo vesicureteral é o apagamento do trígono e de sua musculatura ureteral intravesical contígua. Qualquer situação que cause encurtamento do ureter intravesical também pode provocar refluxo.
Causas congênitas:
A. Debilidade do trígono (refluxo primário): Esta é a causa mais comum de regurgitação ureteral. No estado normal, o tônus do músculo uretero-trigonal intravesical exerce uma tração para baixo. Se o desenvolvimento trigonal é deficiente, é reduzida sua capacidade de oclusão.
B. Anormalidades ureterais:
B.1. Duplicação ureteral completa;
B.2. Orifício ureteral ectópico – Um dos ureteres ou ambos podem se abrir bem abaixo do trígono, no colo vesical ou na uretra;
B.3. Ureterocele – aumento do diâmetro do hiato ureteral.
Outras causas:
1. Trabeculação vesical – Acentuada formação de trabéculas (septos conjuntivos = estroma) pode ter relação com o refluxo, com hipertrofia do trígono;
2. Edema da parede histológica vesical, secundário à cistite (infecção da bexiga);
3. Síndrome de Eagle-Barrett – Uma condição relativamente rara, em que falta o desenvolvimento normal dos músculos abdominais e dos músculos lisos dos ureteres e da bexiga;
Complicações do refluxo vesicureteral:
1. Pielonefrite: havendo refluxo vesicureteral, as bactérias chegam até o rim. Ou seja, o trato urinário não consegue esvaziar-se;
2. Ureteridronefrose: a pressão retrógrada é muito elevada com dilatação, consequente, dos rins.
ASPECTOS CLÍNICOS –
Uma história clínica compatível com pielonefrite aguda pode significar a presença de refluxo vesicureteral. É observado com frequência elevada. A persistência de diagnóstico de cistite (infecção da bexiga) deve pensar na possibilidade de refluxo vesicureteral. Os sintomas relacionados com o refluxo são:
1. Pielonefrite sintomática – No adulto, os sintomas habitualmente presentes são calafrios e febre alta, dor renal, náuseas, vômitos e sintomas de cistite. Em crianças, o mais provável é encontrar febre e dores abdominais;
2. Pielonefrite assintomática – O paciente pode não ter sintomas de nenhum tipo. O único indício pode ser o encontro de piúria (piócitos = pus na urina) e bacteriúria;
3. Sintomas de cistite, somente – Que pode evoluir para a pielonefrite;
4. Dor renal na micção – que representa uma queixa rara;
5. Uremia – Se deve à destruição do parênquima renal pela hidronefrose ou pela pielonefrite (ou por ambas). Muitos dos transplantes renais são realizados em pacientes cujos rins sofreram deterioração em consequência do refluxo que acompanhou uma infecção com lesão grave do parênquima renal;
6. Hipertensão – Nas fases adiantadas da pielonefrite.
Aspectos Físicos – Durante um surto de pielonefrite aguda, pode manifestar-se dor na região renal. A palpação e a percussão da área suprapúbica podem revelar distensão da bexiga.
Aspectos laboratoriais – A complicação mais comum é a infecção. Na fase avançada do comprometimento renal, a ureia e creatinina plasmáticas podem estar elevadas.
Aspectos radiológicos – A urografia excretora (urogramas excretórios) pode dar indícios da presença de refluxo, como:
1. Dilatação persistente do segmento inferior de um ureter;
2. Áreas de dilatação no ureter;
3. Presença de hidronefrose;
4. Alongamento dos cálices;
5. Adelgaçamento do córtex renal.
Ainda em exames radiológicos, pode-se utilizar cistografia, cistouretrografia de micção ou cinefluoroscopia de micção. O refluxo pode ser demonstrado enchendo-se a bexiga com água esterilizada contendo 5ml de carmin de anil por 100ml. A seguir, o paciente urina. Lava-se cuidadosamente a bexiga com água esterilizada. Por meio de cistoscopia observa-se se os orifícios ureterais não deixam escoar um líquido azulado. Essa técnica poupa o paciente da exposição à radiação, e sua eficiência equivale à da cisturetrografia de micção.
Tratamento –
1. Tratamento clínico
1.1. Métodos de tratamento – A destruição do anel da estenose uretral distal, em meninas, ou das válvulas da uretra posterior, em meninos, tem excelentes possibilidades de reduzir a pressão intravesical de micção, abolindo a urina residual da bexiga e o refluxo. Deve-se administrar tratamento definitivo da infecção urinária com antibiótico (s), ao que se segue uma terapia supressiva de longa duração, por 06 meses ou mais;
1.2. Micção tríplice – Quando o refluxo está presente, a bexiga esvazia-se na micção, mas certa quantidade de urina sobe para os rins e, depois, retorna à bexiga. Urinando novamente, alguns minutos mais tarde, menor quantidade de urina é propelida para dentro dos ureteres. Uma terceira micção geralmente esvazia por completo o trato urinário.
2. Tratamento cirúrgico – Não desaparece espontaneamente o refluxo causado pelas seguintes anormalidades: ectopia do orifício ureteral; duplicação ureteral; orifício do ureter em “buraco de golfe”; hidronefrose instalada. Indica-se a cirurgia: Quando não é possível manter estéril a urina, e quando o refluxo persiste; se a pielonefrite aguda persiste apesar de antimicrobianos supressores de longa duração; se existe aumento da lesão renal.
Tipos de tratamento cirúrgico – O tratamento cirúrgico pode exigir, preliminarmente, a derivação da urina, a fim de melhorar a função renal e permitir que os ureteres dilatados readquiram o tônus.
1. Derivação urinária temporária – No caso de a urina, que sofreu refluxo, drenar livremente para fora da bexiga, abre-se o ureter e a urina é coletada numa bolsa de ileostomia. Posteriormente, pode se fazer a ressecção da alça e ligar as duas extremidades (anastomosar). A seguir, pode se proceder à reimplantação ureteral;
2. Derivação urinária permanente – Quando se julga ser impossível realizar com êxito a ureterovesicoplastia, está indicado um tipo de derivação de Bricker;
3. Correção definitiva da junção ureterovesical – Princípios da correção:
3.1. Proceder à ressecção dos 2 ou 3 cm inferiores do ureter cujo músculo é subdesenvolvido;
3.2. Deixar livre uma extensão do ureter suficiente para que se consiga formar um segmento intravesical de 2,5 cm de comprimento;
3.3. Colocar o ureter intravesical na posição LP;
3.4. Fazer a sutura unindo a parede do novo orifício ureteral à margem de incisão do músculo trigonal.
Prognóstico – Nos pacientes com refluxo em que se julga haver válvulas razoavelmente operantes, o tratamento conservador, conforme exposto acima, proporciona elevado índice de cura do refluxo e, portanto, da infecção. Os pacientes portadores de válvulas ureterovesicais muito insuficientes, submetidos a correção cirúrgica, também têm um prognóstico excelente.