CÂNCER GÁSTRICO
O câncer gástrico é a terceira causa de morte entre a população do sexo masculino no Brasil (após o câncer de pulmão e de próstata). É responsável por 9 óbitos por ano em cada 100 mil homens e 4 óbitos por ano em cada 100 mil mulheres. Na maioria dos casos, lamentavelmente, a doença só se manifesta quando já está em fase avançada, quando o tratamento clínico não altera o prognóstico. Os principais tipos de cânceres gástricos:
1. Adenocarcinoma (90%) – É o mais grave e de pior prognóstico. Pode apresentar-se como um tumor de diferentes formas (ulcerado, polipoide, plano, escavado, invasivo, etc.);
2. MALT (mucosal-associated lymphoid tissue – 5%) – É uma linfoma gástrico de células B;
3. GIST (gastrointestinal stromal tumor – 3%) – Pode se comportar como um tumor benigno ou maligno.
A etiologia e patogênese do câncer gástrico não são completamente conhecidas e parecem associar efeitos da infecção pelo H.pylori com carcinogênicos da dieta, fatores ambientais, que desencadeiam mutações genéticas, determinando o tipo de câncer e as metástases.
Principais Fatores de Risco – Infecção pelo H.pylori, sexo masculino, gastrite atrófica, idade avançada, anemia perniciosa, pólipos gástricos, tabagismo, gastrectomia parcial prévia, baixo nível socioeconômico, característica alimentar da população (por exemplo, o hábito de comer cru aumenta a incidência de câncer gástrico, é o que ocorre com a alta incidência entre os japoneses).
Quando suspeitar – Silencioso no início, o câncer gástrico pode manifestar-se por dor, dispepsia, anorexia, perda de peso inexplicável, saciedade precoce, anemia, hemorragia (hematêmese = vômito de sangue vivo, e melena = fezes negras). A dor não é aliviada ou pode mesmo piorar com a alimentação. Pode melhorar com bloqueadores de secreção ácida. Os sintomas podem lembrar os da úlcera gástrica ou da gastrite e essas doenças podem estar associadas ao câncer. Quando há comprometimento da cárdia, há disfagia, e se houver obstrução do piloro, os vômitos e a perda de peso serão os sintomas mais frequentes. O paciente pode relatar o surgimento inexplicado de aversão a carnes. As perfurações das túnicas ocorrem em 1% dos casos. O exame físico é normal na maioria dos pacientes ou pode revelar sinais de perda de peso, anemia secundária, massas no epigástrio. Um linfonodo supraclavicular pode estar aumentado (sinal de Troisier). O sinal da Irmã Maria José é uma metástase umbilical que se apresenta como um nódulo palpável e pode ser confundido com hérnia umbilical. Metástases peritoneais no fundo de saco de Douglas podem ser percebidas ao toque retal (prateleiras de Blumer). Em um quarto dos casos, o tumor pode ser palpado como uma massa epigástrica. A possibilidade de um câncer gástrico deve ser pesquisada por gastroduodenoscopia em todo paciente com quadro de dispepsia, perda de peso, anemia ou piora do estado geral sem causa aparente. Nesses casos, com sintomas evidentes, o câncer geralmente está em fase avançada e com possibilidades limitadas de cura.
Principais Achados da História e Exame Físico –
1. Frequentes: Dispepsia, perda de peso inexplicável, dor epigástrica, aversão a carnes, anemia;
2. Menos Frequentes: Sangue oculto nas fezes, hematêmese, melena, vômitos, disfagia, dor abdominal;
3. Sinais de Metástases ou Invasão: Massa abdominal, icterícia, ascite, hepatomegalia, nódulo supraclavicular, nódulo umbilical.
Como Confirmar –
1. Esofagogastroduodenoscopia (estudo endoscópico) – É a chave do diagnóstico na maioria dos casos, permitindo a identificação do tumor, seu tamanho e a posição, e possibilitando a biópsia da lesão. Seu aspecto é muito variável, podendo parecer lisa e coberta de mucosa aparentemente normal, em placa com relevo discreto, polipoide, ulcerado ou vegetante. A lesão pode ter uma reação inflamatória amarelada, sangue ou material necrótico escuro. A biópsia, de pelo menos seis locais diferentes da lesão, é parte essencial do estudo endoscópico, mesmo nos casos em que a suspeita seja de úlcera benigna, gastrite ou displasia. A correção da endoscopia com biópsia no diagnóstico de câncer é de 95%. Falso-negativos são raríssimos;
2. Radiografia contrastada de estômago – tem sensibilidade de 80% com técnica de contraste simples (bário) e 90% com técnica de duplo contraste (bário e ar). Os achados mais frequentes são de úlcera, massa gástrica, distorção do pregueamento ou do contorno do estômago;
3. Ultra-sonografia endoscópica e convencional – Determina a profundidade da invasão da parede gástrica e de órgãos vizinhos. Pode identificar, também, linfadenopatias;
4. Tomografia de abdome e pelve – É importante para estadiamento ao mostrar lesões metastáticas em outros órgãos, linfonodos acometidos, ascite, etc. O câncer gástrico aparece como uma área de espessamento da parede gástrica, e a superfície pode ser lisa, irregular ou ulcerada;
5. Laparoscopia – Melhora muito a eficácia do estadiamento, resultando em mudanças da classificação da maioria dos casos, o que possibilita uma escolha mais acertada do tratamento. Permite identificar metástases difíceis de detectar à tomografia na superfície hepática, no peritônio e no omento.
Estadiamento do carcinoma gástrico –
T1 = Invade LP ou submucosa;
T2 = Invade submucosa ou muscular;
T3 = Invade a serosa;
T4 = Invade estruturas adjacentes
Obs.: Além do comprometimento de linfonodos e órgãos à distância (N0; N1; N2; e M1).
N0 = Não invade linfonodos regionais;
N1 = Invade linfonodos a até 3cm da margem do tumor;
N2 = Invade linfonodos a mais de 3cm da margem do tumor ou gástricos esquerdos, esplênicos, celíacos ou hepáticos;
M1 = Metástases em órgãos distantes.
PORTANTO:
T1/N0 = Estádio IA
T1/N1 = Estádio IB
T1/N2 = Estádio II
T2/N0 = Estádio IB
T2/N1 = Estádio II
T2/N2 = Estádio IIIA
T3/N0 = Estádio II
T3/N1 = Estádio IIIA
T3/N2 = Estádio IIIB
T4/N0 = Estádio IIIA
T4/N1 = Estádio IIIB
T4/N2 = Estádio IV
M1 = Estádio IV.
Tratamento Cirúrgico
A ressecção cirúrgica é o único tratamento com chances de cura, mas apenas 80% dos pacientes são diagnosticados em uma fase na qual podem ser beneficiados pela cirurgia. A cirurgia previne hemorragias refratárias ao tratamento clínico, perfuração gástrica (rompimento de todas as túnicas histológicas) ou obstrução digestiva. Tumores restritos à mucosa ou submucosa gástrica (cerca de 5% do total diagnosticado) podem ser tratados por via endoscópica ou por cirurgia aberta com ressecções menos radicais.
Caracterização e estadiamento peroperatório do tumor para definição do nível de radicalidade da cirurgia –
O estadiamento feito pela clínica e pelos exames de Imagem é complementado pela avaliação cirúrgica do tumor principal e de suas extensões e eventuais metástases. Essa complementação do estadiamento no início da laparotomia é essencial para:
1. Planejamento do tipo de operação (curativo ou paliativo);
2. Extensão da ressecção gástrica a ser realizada;
3. Extensão da dissecção linfonodal necessária;
4. Necessidade de ressecções estendidas e em bloco de outros órgãos.
A caracterização completa do tumor deve incluir:
1. Tamanho e localização (terço proximal, médio ou distal, curvatura menor ou maior, parede anterior, posterior ou circunferencial);
2. Tumor único ou múltiplo (unifocal ou multifocal);
3. Profundidade do acometimento da parede gástrica (túnicas);
4. Invasão por continuidade (esôfago ou duodeno) ou por contiguidade (baço, cabeça ou cauda do pâncreas, cólon transverso, lobo direito do fígado, diafragma, parede abdominal, aorta, etc.);
5. Acometimento de linfonodos e metástases hepáticas, peritoneais ou em outros órgãos, principalmente ovários (tumor de Krukenberg) e fundo de saco de Douglas (prateleiras de Blumer).
BOLETIM OPERATÓRIO
Obs.: não trataremos, aqui, da extensão de retirada dos linfonodos.
A. Anestesia – Geral;
B. Posição do paciente – Decúbito dorsal;
C. Cuidados iniciais – Antibiótico de largo espectro, sonda nasogástrica, sonda vesical, acesso venoso calibroso, monitorização padrão para paciente grave, nos casos em que houver possibilidade de ressecção colônica, garantir preparo adequado do cólon;
D. Acesso – Incisão mediana supra-umbilical. Raramente, incisão transversal (de Chevron);
E. Tempos cirúrgicos principais –
1. Explorar detalhadamente a cavidade abdominal;
2. Se houver algum linfonodo aumentado ou alguma lesão suspeita de disseminação neoplásica, biopsiar, para exame imediato por congelamento, dentro do bloco cirúrgico, pois um resultado positivo mudaria o plano cirúrgico;
3. Seccionar, com eletrocautério ou tesoura, o omento maior (que possui muitos linfonodos), junto à borda do cólon transverso, na área avascular, com cuidado para não lesar o cólon, estendendo até o duodeno à direita e polo inferior do baço à esquerda;
4. Seccionar o ligamento gastrocólico junto ao mesocólon transverso incluindo o seu folheto superior, com cuidado para não abri-lo (esse procedimento libera completamente a curvatura maior do antro e corpo gástricos);
5. Mobilizar amplamente o duodeno e a cabeça do pâncreas (manobra de Kocher);
6. Seccionar o omento menor e o ligamento hepatogástrico junto ao fígado;
7. Ressecar todo o tecido que envolve os elementos principais do pedículo hepático (artéria hepática própria, colédoco, veia porta) para remover os linfonodos (=gânglios linfáticos) em direção ao piloro;
8. Mobilizar todo o tecido que envolve a primeira parte do duodeno, junto com seus linfonodos, e trazê-lo para junto do piloro;
9. Seccionar, entre ligaduras, os vasos gástricos direitos (pilóricos) junto ao pedículo hepático, à direita do duodeno;
10. Seccionar, entre ligaduras, os vasos gastromentais direitos, próximo à parede esquerda e posterior do duodeno;
11. Seccionar transversalmente o duodeno, cerca de 3 a 5cm abaixo do piloro, após amarrar o duodeno proximal com fio de seda 0;
12. Explorar com o dedo a parte distal do duodeno à procura de estenoses, outras lesões e para conferir a preservação das papilas duodenais maior e menor;
13. Rebater o estômago para cima e para a esquerda, com o objetivo de remover todo o tecido que envolve a artéria hepática comum e o tronco celíaco, junto à borda superior do pâncreas;
14. Ligar a artéria gástrica comum e o tronco celíaco, e a veia gástrica esquerda, próximo a sua desembocadura na veia porta ou na veia esplênica, trazendo todo esse tecido retrogástrico para junto do estômago;
15. Dissecar todo o tecido junto ao esôfago abdominal e cárdia e mobilizá-lo no sentido distal do estômago, até cerca de 4 a 5cm da junção esofagogástrica;
16. Seccionar o estômago transversalmente, com tesoura ou eletrocautério, em uma extensão de 7cm a partir da curvatura maior, começando entre o corpo e o fundo (essa é a primeira parte da secção gástrica em “V”, preservando apenas o fundo gástrico e garantindo 7cm de margem macroscópica livre de tumor);
17. Completando a secção gástrica em “V”, seccionar longitudinalmente o estômago, e seguindo até 2cm abaixo da junção esofagogástrica;
18. Remover a peça operatória;
19. Considerar a necessidade de passar uma sonda nasoentérica guiada pelo cirurgião até o jejuno, a 40cm abaixo da anastomose, para nutrir o paciente precocemente no pós-operatório.
Alternativas de reconstrução do trânsito digestivo –
Dependendo do tipo de gastrectomia, anteriormente descrita, a reconstrução do trânsito pode ser pelas seguintes alternativas:
1. Operação de Billroth – anastomose do estômago remanescente (restante) ao duodeno (preservando o trânsito duodenal);
2. Operação de Bilroth – Fechamento do duodeno proximal e anastomose do estômago remanescente à lateral de uma alça jejunal em ômega, imediatamente distal ao ângulo de Treitz, que pode ser passada pela frente do cólon transverso (pré-cólica) ou por trás do cólon transverso por uma abertura feita no mesocólon (anastomose retrocólica ou transmesocólica);
3. Anastomose em Y de Roux – Usar uma alça de cerca de 45cm de jejuno, começando 20cm abaixo do ângulo de Treitz e passá-la por trás do cólon transverso, para ser anastomosada ao estômago remanescente ou ao esôfago, no caso de gastrectomia total. Evita refluxo biliar;
4. Operação de Seo-Longmire – Interposição de um segmento jejunal entre o esôfago e o duodeno.
COMPLICAÇÕES
1. Precoces – Desnutrição, distúrbios hidroeletrolíticos, fístulas, distúrbios metabólicos, perfuração, anemia, hemorragia;
2. Tardias – Disfagia, recorrência do câncer, distensão gástrica, diarreia, obstrução intestinal, refluxo enterogástrico, pancreatite.
TRATAMENTO CLÍNICO COMPLEMENTAR –
1. Quimioterapia – Nos adenocarcinomas, a quimioterapia como adjuvante ao tratamento cirúrgico apresenta benefícios ainda limitados. Porém, o uso de quimioterapia associada à radioterapia, antes da cirurgia, aumentou o índice de ressecabilidade tumoral e melhorou a sobrevida. Outra indicação é o tratamento paliativo dos casos inoperáveis ou com recidiva após cirurgia;
2. Radioterapia – pós operatória (mesmas observações da quimioterapia).