Coma Hepático

Encefalopatia Hepática (=Coma Hepático)
Engloba todas as síndromes neuropsiquiátricas que podem apresentar-se no curso de uma hepatopatia com IHC (insuficiência hepatocelular). Sua lesão básica histológica é constituída por uma proliferação difusa dos astrócitos protoplasmáticos que se observa na substância cinzenta do cérebro e do cerebelo, assim como no putâmen e no núcleo pálido, sem grandes alterações nos neurônios. Nas formas crônicas pode haver sofrimento neuronal. É um quadro histopatológico praticamente específico da encefalopatia hepática. Sobre a patogenia, existem muitas lacunas no conhecimento desta patologia. Entre os fatores predisponentes tem-se a insuficiência hepatocelular avançada. Um fígado insuficiente pode não depurar substâncias tóxicas para o cérebro ou deixar de sintetizar para o metabolismo normal do SNC (sistema nervoso central). Aqui, entende-se claramente esta toxicidade. Na hipertensão portal (como já falamos), devido ao processo de resistência à mesentérica e esplênica ocorre, então, anastomoses (junções) portossistêmicas que derivam o sangue portal diretamente para a cava. Esse sistema de escape não permite ao fígado detoxicar as substâncias tóxicas provindas do intestino, e essas chegam ao cérebro. Um fator determinante são níveis séricos aumentados de amoníaco. Lembrando, que o fígado utiliza o amoníaco (provindo principalmente do cólon pela ação da flora proteolítica sobre as proteínas da alimentação) para a síntese de ureia, que sabidamente é eliminada pelos rins. Um fator precipitante é a hemorragia digestiva (a hipovolemia ainda agrava mais o quadro de oxigenação cerebral). Outro fator é a constipação intestinal intensa, sedativos (por quê?), diuréticos, insuficiência renal, etc. As manifestações clínicas iniciam, normalmente, com mudanças bruscas no humor, com iras repentinas e euforias injustificadas, sonolência diurna e insônia noturna, até demência. Em 89% com flapping tremor (tremor de músculos submetidos à tensão). Disgrafia (=distúrbio ao escrever) e apraxia de construção (construir com palitos figuras geométricas). A classificação de Trey é ainda aceita:
Grau I: Euforia-depressão;
Grau II: Agravamento do Grau I;
Grau III: Perda da consciência, linguagem incompreensível;
Grau IV: Coma profundo.
Só por curiosidade, é característico no EEG (eletroencefalograma) uma lentificação da frequência que passa de um ritmo alfa normal (8-13 c/s) a um ritmo delta em torno de 4 ciclos por segundo, não modificável pelos estímulos.
O prognóstico da patologia não é bom, principalmente em cirróticos. Vários tratamentos são propostos: regeneração da célula hepática para redução das substâncias tóxicas (corticoide pode levar a graves hemorragias); diálise peritoneal e hemodiálise para eliminação dessas substâncias, equilíbrio hidroeletrolítico e ácido-básico, tratamento de hipotensão e de hipovolemia com transfusão, Vit.K em transtornos da coagulação (a formação de protrombina depende de vit.K, por exemplo), correção de hipoglicemia e do edema cerebral.

Professora, boa tarde! Achei muito interessante esse assunto de coma hepático. É incrível como o nosso organismo é totalmente integrado!
Eu entendi que esse dano ao sistema nervoso central pode ser explicado devido ao prejuízo causado ao parênquima hepático, como no caso da cirrose, por exemplo. E, lendo em outras fontes, percebi a relação que isso tem com o ciclo da ureia. Pois a amônia deixa de sofrer conversão em ureia, processo esse que ocorreria no fígado não fossem os danos causados a ele. Com isso, a ureia que não foi convertida danifica os neurotransmissores e, consequentemente, o sistema nervoso central. Isso é coerente, professora?

Perfeitamente, Tayanne

tayanne escreveu:

Professora, boa tarde! Achei muito interessante esse assunto de coma hepático. É incrível como o nosso organismo é totalmente integrado!
Eu entendi que esse dano ao sistema nervoso central pode ser explicado devido ao prejuízo causado ao parênquima hepático, como no caso da cirrose, por exemplo. E, lendo em outras fontes, percebi a relação que isso tem com o ciclo da ureia. Pois a amônia deixa de sofrer conversão em ureia, processo esse que ocorreria no fígado não fossem os danos causados a ele. Com isso, a ureia que não foi convertida danifica os neurotransmissores e, consequentemente, o sistema nervoso central. Isso é coerente, professora?

Prof. Hélia, Como podemos concluir pelo próprio texto, essa doença é uma desordem neuropsiquiátrica evidenciada por lesões histológicas não específicas do sistema nervoso central. E pelo que se dá para notar, é uma perturbação pelo qual a função cerebral se degrada devido ao aumento de substâncias tóxicas no sangue que o fígado devia ter eliminado em situação normal e não elimina. Isso tudo ocorre por que o fígado reduz a sua capacidade funcional e o acúmulo dessas substâncias não eliminadas podem chegar ao cérebro e afetar o seu funcionamento e a partir daí nota-se diversas funções cerebrais alteradas, como a incapacidade de permanecer consciente. Muito interessante esse texto, pois ilustra perfeitamente a relação entre um órgão que é bastante conhecido como a maior glândula do corpo humano com as atividades neurais. Podemos perceber o quão complexo é nosso orgsnismo e o quanto ele está interligado.

Professora Hélia, encontrei um artigo sobre coma hepático enfatizando que esse quadro é reversível desde que seja tratado a tempo! Porque, como a intoxicacão é ocasionada pela amônia não metabolizada, se esse problema for revertido rapidamente, as chances de reversão do coma são consideráveis.
"A encefalopatia hepática (EH) é potencialmente reversível. Os principais fatores precipitantes são hemorragia digestiva e infecções bacterianas. O tratamento dos fatores precipitantes pode reverter o quadro. Antibióticos visam reduzir a absorção da amônia e aumentar sua eliminação. A lactulose, lactitol e outros dissacarídeos não degradáveis produzem acidificação dos colons, diminuindo produção e absorção de amônia. Sua eficácia vem sendo questionada em estudos bem conduzidos. Antagonistas bensodiazepínicos e solução enriquecida com aminoácidos ramificados são tentativas terapêuticas de eficácia pouco evidente. Novas alternativas terapêuticas visam melhorar a metabolização da amônia em nível hepático."

Professora, os sedativos são fatores precipitantes porque a grande maioria é metabolizada no fígado. Por isso, num paciente com insuficiência hepática deve-se ter cautela na utilização de psicofármacos e sua semivida (elevada nesses pacientes). Além disso, deve-se ter o cuidado na prescrição das benzodiazepinas porque seu mecanismo de ação interfere com o sistema de neurotransmissores gabaérgicos e a encefalopatia hepática parece também estar relacionada com o GABA.

Professora, essa condição pode ser desencadeada por um defeito no metabolismo do ferro (eg, uma porfiria)? Porque o sistema macrossomal dos citocromos P450 requer heme (já que essa porfirina compõe a estrutura do citocromo, ela é sequestrada da hemoglobina e mioglobina, quando necessário) e, no caso de predisposição genética e abuso de etanol e/ou barbituratos, o sistema pode ser superutilizado (e não teria a eficácia necessária, tendo em vista a deficiência na via sintética do heme), o que geraria o estresse hepático. Viagem boa ou ruim?

Maxwell Moura
Ótimo texto, Maxwell.

maxwellmoura escreveu:

Prof. Hélia, Como podemos concluir pelo próprio texto, essa doença é uma desordem neuropsiquiátrica evidenciada por lesões histológicas não específicas do sistema nervoso central.  E pelo que se dá para notar, é uma perturbação pelo qual a função cerebral se degrada devido ao aumento de substâncias tóxicas no sangue que o fígado devia ter eliminado em situação normal e não elimina. Isso tudo ocorre por que o fígado reduz a sua capacidade funcional e o acúmulo dessas substâncias não eliminadas podem chegar ao cérebro e afetar o seu funcionamento e a partir daí nota-se diversas funções cerebrais alteradas, como a incapacidade de permanecer consciente. Muito interessante esse texto, pois ilustra perfeitamente a relação entre um órgão que é bastante conhecido como a maior glândula do corpo humano com as atividades neurais. Podemos perceber o quão complexo é nosso orgsnismo e o quanto ele está interligado.

Ana Rosa
Muito bom. Veja mais uma vez, a importância da capacitação no diagnóstico precoce

AnaRosa escreveu:

Professora Hélia, encontrei um artigo sobre coma hepático enfatizando que esse quadro é reversível desde que seja tratado a tempo! Porque, como a intoxicacão é ocasionada pela amônia não metabolizada, se esse problema for revertido rapidamente, as chances de reversão do coma são consideráveis.
"A encefalopatia hepática (EH) é potencialmente reversível. Os principais fatores precipitantes são hemorragia digestiva e infecções bacterianas. O tratamento dos fatores precipitantes pode reverter o quadro. Antibióticos visam reduzir a absorção da amônia e aumentar sua eliminação. A lactulose, lactitol e outros dissacarídeos não degradáveis produzem acidificação dos colons, diminuindo produção e absorção de amônia. Sua eficácia vem sendo questionada em estudos bem conduzidos. Antagonistas bensodiazepínicos e solução enriquecida com aminoácidos ramificados são tentativas terapêuticas de eficácia pouco evidente. Novas alternativas terapêuticas visam melhorar a metabolização da amônia em nível hepático."

Ana Cazuzu
E está relacionado com GABA, mesmo.
Imagine, um paciente já obnubilado (comatoso) com uso de benzodiazepínicos agravando, ainda
mais, a obnubilação.
Os que optam pelo uso, me parece mais uma tentativa de sedar o paciente do que a lógica
rigorosa fisiopatológica.

Ana Cazuzu escreveu:

Professora, os sedativos são fatores precipitantes porque a grande maioria é metabolizada no fígado. Por isso, num paciente com insuficiência hepática deve-se ter cautela na utilização de psicofármacos e sua semivida (elevada nesses pacientes). Além disso, deve-se ter o cuidado na prescrição das benzodiazepinas porque seu mecanismo de ação interfere com o sistema de neurotransmissores gabaérgicos e a encefalopatia hepática parece também estar relacionada com o GABA.

Julio Zoe
Tente fazer sua pergunta novamente. Tente.
A via sintética do Heme (ferro com porfirina) não se faz na medula óssea (MO)?
O fígado metaboliza o Heme (a Porfirina), após lise das hemácias na polpa vermelha do baço (cordões de Billroth),
em bilirrubina indireta (BI). No coma hepático, o produto do término da porfirina, que é a BI,
não será devidamente conjugada em bilirrubina direta (BD), com o ácido glicurônico no fígado (já lesado).
Desta feita, os produtos finais da BD, coproporfobilinogênio e urobilinogênio, também não
são gerados de forma efetiva.
Daí que as doenças pré-hepáticas e hepáticas cursam com aumento de BI, pois não há ácido glicurônico suficiente
para conjugá-la em BD. isto é o que ocorre com a lise excessiva de hemácias (heme) na anemia hemolítica.
Em algumas doenças, leves, hepáticas, pode haver aumento de BI e BD.
Já das doenças pós-hepáticas, com obstrução nas vias biliares, há um aumento de BD, pois já
houve a conjugação da BI, no fígado.
Onde vamos chegar?

juliozoe escreveu:

Professora, essa condição pode ser desencadeada por um defeito no metabolismo do ferro (eg, uma porfiria)? Porque o sistema macrossomal dos citocromos P450 requer heme (já que essa porfirina compõe a estrutura do citocromo, ela é sequestrada da hemoglobina e mioglobina, quando necessário) e, no caso de predisposição genética e abuso de etanol e/ou barbituratos, o sistema pode ser superutilizado (e não teria a eficácia necessária, tendo em vista a deficiência na via sintética do heme), o que geraria o estresse hepático. Viagem boa ou ruim?