Vesícula biliar (Colelitíase e colecistite)
Colelitíase (cálculo na vesícula biliar) sintomática (pois existem os quadros assintomáticos) e colecistite aguda (inflamação da vesícula biliar) são doenças cirúrgicas muito frequentes e a colecistectomia (retirada cirúrgica da vesícula biliar) é um dos procedimentos cirúrgicos mais frequentes no adulto. 1/4 das mulheres e 2% dos homens apresentam cálculos na vesícula biliar após os 50 anos de idade. Em nosso meio, 90% dos casos são cálculos de colesterol (amarelados). Os demais são de cálculos pigmentados negros de bilirrubinato de cálcio. Os bacterianos não dão opacidade na radiologia (radiopacos), ou seja, não são vistos. Os fatores de risco para colelitíase são: sexo feminino, idade avançada, obesidade, doenças hemolíticas auto-imune, cirrose hepática, multiparidade, anticoncepcionais, operações gástricas com vagotomia. A maioria dos casos de litíase biliar é assintomática, onde os cálculos são geralmente descobertos em radiografia, ultra-sonografia, tomografia ou ressonância abdominal feita por outras causas. Nos casos sintomáticos, a cólica biliar é o sintoma principal: é uma dor muito intensa no quadrante superior direito (hipocôndrio direito) ou no epigástrio (altura do estômago), que dura de 30 minutos a várias horas. A dor pode vir acompanhada de náuseas e vômitos. Icterícia (=amarelão) por colestase causada por deslocamento do cálculo para o colédoco é incomum.
A inflamação aguda de uma vesícula biliar com cálculo (colecistite calculosa) provoca dor em cólica mais intensa e contínua. É a clássica tríade de Charcot: dor no hipocôndrio direito, febre com calafrios e icterícia. Lembrando que a vesícula biliar possui um epitélio cilíndrico simples, abaixo uma LP incluindo células de defesa (esse TC é altamente vascularizado chamado perivascular), em seguida músculo liso e fecha o órgão uma adventícia quando ligada ao fígado, e uma serosa (parte livre no peritônio). Um sinal típico da colecistite aguda é o sinal de Murphy que ocorre na palpação profunda do hipocôndrio direito. Essa colecistite pode evoluir rapidamente para abscesso ou para gangrena e perfuração da vesícula, com peritonite (=abdomen agudo) generalizada. A colecistite também pode ocorrer sem cálculo (acalculosa), e é de difícil diagnóstico. Já a coledocolitíase ocorre por cálculos de origem vesicular migrarem para o colédoco através de um ducto cístico largo. Pode inclusive, evoluir para pancreatite (doença extremamente grave).
Como confirmar?
Ultra-sonografia abdominal. É o exame de primeira escolha quando se suspeita de colelitíase. Os cálculos são vistos como estruturas ecogênicas, geralmente com espessamento da parede da vesícula acima de 3mm e presença de líquido perivesicular. Na coledocolitíase, há dilatação das vias biliares. Quando a ultra-sonografia encontra dilatação de vias biliares, mas não identifica cálculos, a complementação do estudo com colangiografia é indicada.
Colangiopancreatografia endoscópica retrógrada (CPER) - O exame associa os recursos da endoscopia digestiva e de radiologia contrastada. É útil para diagnóstico de obstrução das vias biliares por cálculo quando a ultra-sonografia não mostra o cálculo. Permite avaliar tanto as vias biliares como o ducto pancreático. Além da colangiografia, o exame permite a colocação de um "fio guia" pelo qual são passados cateteres especiais que permitem fazer a esfincterotomia (papilotomia), a remoção dos cálculos, implantar stents plásticos para corrigir estenoses e biopsiar lesões da papila ou do colédoco. Na obstrução aguda acompanhada de pancreatite, a desobstrução nas primeiras 48 horas reduz o risco de progressão para a pancreatite grave.
Colangiografia percutânea transepática - Uma agulha fina é introduzida no fígado guiada por ultra-som ou radioscopia até atingir um ducto biliar dilatado. A injeção de contraste iodado dentro de um ducto biliar demonstra a morfologia das vias biliares acima da obstrução.
Radiografia simples do abdomen (singela de abdomen) - mostra o cálculo na vesícula ou nas vias biliares em apenas 15% dos casos, uma vez que os cálculos radiopacos (que aparecem em machas brancas) são pouco frequentes. Presença de ar na vesícula e vias biliares indica fístula biliodigestiva ou colangite grave ou ascaridíase biliar (Ascaris lumbricoides).
Colecistografia oral e venosa - Mais usadas no passado, hoje são raramente indicadas.
Tomografia - Para esses casos, é menos sensível que a ultra-sonografia para diagnosticar colelitíase e colecistite.
Cintilografia hepatobiliar - Pouco usada atualmente.
ECG e Raios X de tórax - Podem ser necessários para afastar comprometimento cardíaco ou pulmonar em um paciente com litíase biliar.
Dosagem de bilirrubinas (Bb) - Na obstrução transitória por cálculo, a Bb direta (conjugada com ácido glicurônico) sobe em média até 4mg/dl, raramente atingindo até 15mg/dl. Na obstrução completa e persistente das vias biliares, a Bb direta sobe até um platô de 25-30mg/dl. Níveis ainda mais elevados ocorrem se há hemólise ou disfunção renal. Bb direta elevada por obstrução também pode ser neoplasia.
Dosagem de aminotransferases (produzidas pelo fígado) - Podem estar alteradas ou normais (TGO = transaminase glutâmica oxalacética e TGP = transaminase glutâmica pirúvica). O aumento é maior na obstrução das vias biliares com colangite aguda ou com hepatite associada.
Dosagem de amilase (produzida pelo pâncreas) - Valores acima de 500UI/dl geralmente indicam pancreatite, concomitante.
Dosagem de fosfatase alcalina - seu aumento pode ter causa hepática, óssea ou intestinal. Aumento de origem hepática aponta para lesão de canalículos biliares intra-hepáticos.
Devemos esclarecer, as causas de colestase intra-hepática e extra-hepática. As intra-hepática pode ser devido à cirrose, hepatite viral, hepatite alcoólica, colestase da gravidez, colestase do pós-operatório, etc. As extra-hepáticas, podem ser por tumor de pâncreas, estenose das vias biliares, migração de áscaris nas vias biliares, etc.
Conduta Médica na Litíase Biliar
Nos casos assintomáticos não há indicação de colecistectomia (retirada da vesícula biliar), exceto em pacientes com história de tumor em outra região; em cálculos maiores que 3cm que aumentam a tendência à inflamação (colecistite); em crianças; em diabéticos; em litíase por descoberta casual durante uma laparotomia (abertura ampla do abdomen) em paciente estável. Outras escolas de cirurgiões, concordam em operar de imediato pelo risco de colecistite. A tentativa medicamentosa de dissolução de cálculos, hoje é raramente indicada - com ácido desoxicólico via oral ou quenocólico ou taurocólico.
Nos casos sintomáticos, a cirurgia é totalmente indicada, preferencialmente por laparoscopia (o uso do laparoscópico exige uma enorme capacitação do cirurgião). Se existe obstrução do colédoco, a desobstrução endoscópica deve ser tentada antes.
A colecistectomia por cirurgia convencional continua sendo um procedimento bastante seguro e pode ser feita com uma incisão mínima na pele (1 a 2cm) por cirurgiões experientes, conforme técnica, apresentada de forma preliminar, abaixo.
A anestesia é geral. A posição do paciente é em decúbito dorsal. Antibioticoterapia com antibiótico de largo espectro. O paciente no ato cirúrgico é mantido com cateterização (sonda) nasogástrica para esvaziar o estômago e facilitar o acesso à vesícula e também cateterização vesical (bexiga) para controle da diurese (volume urinário/24hs). Obs.: Só é possível calcular a reposição de líquido quando se reconhece o que se perde; ao mesmo tempo é possível reconhecer comprometimento concomitante renal quando a diurese é menor que 1.500ml dentro das 24 horas.
Tempos cirúrgicos principais (visão preliminar anatômica):
1. Fazer uma incisão (abertura) de 1 a 2 cm na linha hemiclavicular, cerca de 2 dedos abaixo do rebordo costal;
2. Seccionar transversalmente a aponeurose do oblíquo externo, divulsionar os músculos da parede abdominal e abrir o peritônio;
3. Usando afastadores de Farabeuf, separar as bordas da ferida cirúrgica e localizar o fundo da vesícula;
4. Pinçar o fundo da vesícula e tracioná-lo para fora da cavidade abdominal;
5. Com tesoura e eletrocautério (cauterização para controlar o sangramento), desperitonizar a face hepática da vesícula (serosa);
6. A vesícula exteriorizada pode ser aberta para remover todos os cálculos com pinça e aspirador ou retirada em processos inflamatórios com aderência;
7. Continuar a desperitonização até identificar os ligamentos colecistocólico e colecistoduodenal (amarelados) que deverão ser seccionados junto com a vesícula;
8. Identificar a artéria cística, exposta por tração da vesícula e seccioná-la suturando-a com fio inabsorvível;
9. Identificar o ducto cístico e a sua entrada no colédoco;
10. Seccionar o ducto cístico e usar fio inabsorvível;
11. Remover a vesícula, conferir a hemostasia (ausência de sangramento na cavidade abdominal) e fechar a parede abdominal por planos;
12. Antibioticoterapia pós-operatória, anti-espasmódico, analgésico, dosagens sanguíneas.